No Brasil, a cada três minutos alguém recebe diagnóstico de câncer ou doença do sangue que pode ser tratada com transplante de medula óssea. Encontrar um doador compatível fora do círculo familiar é estatisticamente raro: apenas 1 em 100 000 pessoas no Registro Brasileiro de Doadores Voluntários de Medula Óssea (Redome) irá coincidir com um receptor desconhecido. Ainda assim, histórias inspiradoras como o do bombeiro militar Wellington Rodrigo de Lima Bento, de Campo Grande (MS) mostram como um simples “sim” à doação pode significar a diferença entre a vida e a morte para um paciente.
O telefonema que mudou tudo
No final de 2024, o Tenente-Coronel Rodrigo Lima, atendeu um telefonema inusitado: como voluntário cadastrado no Redome, ele poderia ter alguém compatível aguardando a sua medula. Em poucas semanas, Wellington foi até o Hemosul da capital sul-mato-grossense, realizou exames e enviou a amostra ao Redome, no Rio de Janeiro. A confirmação definitiva só viria no dia 7 de fevereiro de 2025.
“Recebi outra ligação. Dessa vez, avisaram que a compatibilidade deu positivo e eu deveria me deslocar para Juiz de Fora (MG)”, relembra o militar. Entre os dias 23 e 25 de fevereiro, ele fez exames de sangue, raio-X, eletrocardiograma e participou de entrevistas médicas para definir o tipo de coleta. No dia 7 de março, veio a autorização final – e, no dia 24 de março, Wellington realizou o procedimento de doação.
Para o bombeiro, cada ligação, cada data e cada exame permanecerão “registrados na memória e no coração”. Afinal, fora da família as chances de compatibilidade caem para 1 em 100 000 e, no banco mundial, a probabilidade é ainda menor, de 1 em um milhão. “Até hoje não acredito que isso ocorreu, pois a pessoa beneficiada não é da minha família”, comenta, orgulhoso.
Da cena de oncologia à conscientização
O momento mais marcante, no entanto, não foi o procedimento em si, mas a visita ao Centro de Transplante de Medula Óssea do Hospital Monte Sinai. “Me deparei com crianças carequinhas fazendo quimioterapia e a Enfermeira Lilian disse: ‘quem sabe pode ser uma criança dessas que irá receber’”, conta. Foi ali que Wellington sentiu o peso e a emoção de seu gesto: a vida de um desconhecido poderia renascer graças à sua doação.
“A partir daquela imagem, minha concepção sobre doação mudou. Me emocionei muito e pensei: ‘preciso divulgar e conscientizar familiares e amigos a fazerem o cadastro no Redome’”, lembra. Para ele, a experiência não apenas salvou uma vida, mas transformou a sua própria visão sobre altruísmo e cidadania.
O relato do Tenente-Coronel Wellington Rodrigo Lima
“Desde o primeiro contato com a equipe multidisciplinar, senti-me seguro e motivado. Saber que minha decisão poderia trazer esperança a alguém em estado crítico me impulsionou a seguir em frente, mesmo diante dos desconfortos inevitáveis do procedimento”, relata o Tenente-Coronel, que hoje faz questão de visitar hospitais, testemunhar a recuperação de pacientes e estimular novos cadastros no Redome.
Ele lembra, com emoção, do dia da alta do receptor: “Receber fotos, cartas e relatos de melhora foi a confirmação de que valeu cada minuto de espera e cada avaliação médica”. Para ele, “ser doador de medula óssea é um ato de amor que ecoa além das estatísticas; é reconhecer nossa responsabilidade com a vida humana”.
Inspirando novos voluntários
A mobilização desses bombeiros militares reflete a importância de campanhas de incentivo à doação de medula. O Redome conta, hoje, com mais de 5 milhões de voluntários cadastrados – um número expressivo, mas ainda insuficiente diante da demanda crescente. Quanto maior a diversidade de perfis registrados (etnia, faixa etária, geografia), maior a chance de compatibilidade fora do ambiente familiar.
Alguns pontos destacam a relevância da adesão:
- Baixa probabilidade familiar: apenas 25 % de chance de compatibilidade entre parentes diretos (pais e irmãos), percentual que diminui em graus de parentesco mais distantes.
- Diversidade genética: perfis distintos ampliam as chances de encontrar correspondência mundial.
- Idade e saúde: voluntários entre 18 e 55 anos, sem doenças crônicas, são elegíveis.
Além desses requisitos, o processo de cadastro é simples: uma doação de sangue para tipagem de HLA (antígenos leucocitários humanos) e inclusão no banco de dados nacional. Caso haja compatibilidade, o voluntário é convocado para exames que atestam sua condição de saúde e definem o método de coleta — seja por punção no osso pélvico ou por aférese periférica.
“Doar medula óssea não tem preço”
Em suas falas, o bombeiro de Campo Grande enfatiza que o gesto é livre de custos para o doador, que recebe todo o suporte médico e logístico. “Doar medula óssea não tem preço,ESTÁ NO MEUS SANGUE SALVAR PESSOAS, literalmente falando,resume Wellington Rodrigo. “A gratidão do receptor e da família dele não cabe em palavras.”
O sentimento de propósito compartilhado por esses militares ressoa em todo o país. Hospitais, universidades e associações promovem eventos de cadastro e conscientização, mas sempre há espaço para ampliar o alcance. Grupos de pacientes, testemunhas de histórias de cura, também se unem a essa missão, reforçando que “cada ficha preenchida no banco de dados representa uma esperança a mais para quem aguarda um transplante”.
Caminhos para salvar mais vidas
Para transformar estatística em vida, especialistas e voluntários recomendam:
- Compartilhar informações: divulgar dados sobre Redome em redes sociais, grupos comunitários e locais de trabalho.
- Promover mutirões de cadastro: universidades, corporações e entidades religiosas podem sediar ações com coleta de sangue para tipagem gratuita.
- Apoiar pacientes: conhecer histórias de transplante e depoimentos de receptores ajuda a humanizar a causa.
- Incentivar a doação de sangue: manter estoques regulares de sangue auxilia no tratamento pré-transplante.
O vínculo afetivo vira elo de solidariedade. Cada voluntário novo amplia a chance de descobrir correspondências genéticas múltiplas, inclusive para perfis raros ou populações sub-representadas. Quanto mais diversa for a base de dados, mais vidas poderão ser salvas.
No Brasil, o sonho de tornar a compatibilidade entre estranhos tão comum quanto em família ainda está distante, mas cada voluntário conta. A doação de medula óssea não é apenas um procedimento médico: é um chamado à empatia, ao compromisso com o próximo e à celebração da vida. E, nos corredores de hospitais ou em uma central de doadores, bombeiros anônimos provam que, às vezes, um telefonema pode realmente mudar tudo – para sempre.